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Cidadezinha qualquer

De um quadro de Vânia Reis e Silva
A madureza, essa terrível prenda

Carlos Drummond de Andrade


Os verdes abrem distâncias.
Do que aconteceu um dia,
remota serenidade
ao longo do casario.
Os verdes abrem silêncios.
Pousa o vento nos telhados,
nas lajes do cemitério,
desavenças, alianças,
a procissão vai passando,
fechadas as persianas,
a praça ardendo de sol,
falatórios, adultérios.
Sermões, batizados, óbitos,
ladainhas, campo santo,
céu, inferno, purgatório.

Os verdes abrem distâncias.
Todas as casas fechadas,
todas as ruas desertas,
o sol nos muros caiados,
altas luas, noites quietas,
longes no apito dos trens
dividindo madrugadas.

Todos os portões abertos,
todos os quintais varridos.
Quem se foi, nunca mais volta,
fica um adeus escorrido
nas paredes, nas janelas,
nos alizares das portas.
Os mortos jazem na terra,
os vivos, emparedados,
lá fora, tudo campinas;
na soalheira das ruas,
jorros de moscas zumbindo;
nas tardes desabrigadas,
cresce um céu todo amarelo,
crescem sombras, como espadas.

Os verdes abrem silêncios.
Do que aconteceu um dia
a dura tranquilidade
dos muros de cantaria.
Céu aberto, campo raso
e as colinas despojadas.
Nem rosas pelos portais,
nem sombra de árvore ou poço
nem pombas pelos telhados.
Nem mais paixões escorridas
pelos morros descalvados.
Somente a pedra talhada:
essa ausência circunscrita,
pequena ânsia contida
nas casas aconchegadas.


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