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Inspiração, palavra dourada

Meu ofício é cantar.
Emily Dickinson


Inspiração, palavra dourada,
sugerindo dourados corcéis,
ao tempo dos poetas tuberculosos e tomadores de absinto.
Inspiração, envergonhada de si mesma
nas oficinas e laboratórios
dos afanosos operários da palavra.
Inspiração? – essa necessidade
que nos levanta – madrugada
e dirige-nos – passos de lã –
à mesa do escritório.
Sem saber poema nem porquê.
E, obedientes ao império,
levantamos a beirada das horas
pondo a descoberto o miolo do sagrado.

Lá fora, os primeiros pássaros cantam,
a primeira cigarra, zinindo, desgasta a face da manhã.
Inspiração, ofício, trabalho?
Ou apenas despertar?
Retomada do tempo de existir, retomada
das ocupações diárias
em pulmões, gargantas, asas.
Ternura de penugem entre folhas,
gargarejo, gorgolejo, gorja
ardente entre plumas.
(Intimidade: filete de suor correndo entre dois seios.)
Ah, benditos os que ao amanhecer,
entre cantar e colher o inseto em vôo,
não levantam uma rede de intrincados enigmas.
E sem rótulos, sem opor paixão e necessidade, inspiração e
                                                          [rigor de oficina,
simplesmente, em sintonia com o íntimo,
a um tempo vigilantes e entregues, atentos e submissos
                                                                   [ao ritmo,
por definição de si mesmos,
apenas isso: cantam.


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